megaboga

domingo, 24 de junho de 2007

da insustentável leveza do ser

"A distância mais longa é aquela entre a cabeça e o coração." - T. Merton



Ela sabia que o havia machucado, pôde ver pelos seu olhar de guaxinim ferido; na hora, foi um grande alívio, sentiu-se leve, quase podia voar. sentiu na pele a fatídica insustentável leveza do ser: ela ainda podia feri-lo, fazê-lo sentir-se mal. e mesmo sabendo que era um provável sofrimento merecido, tal fato não amenizou o quase imediato mal-estar subseqüente. era estranho, quase engraçado até, como os sentimentos têm uma espécie de "nível ótimo", do qual não se pode passar sob pena de uma rápida queda nos níveis de alegria. então, saiu da casa dele feliz, quase correndo de satisfação; ao chegar à rua, sorriu: estava livre. não sentia mal-estar algum por aquele olhar de guaxinim ferido. não sentia mal-estar algum... mas então, por que não sentia-se bem? ela não sentia-se bem. aliás, sentia-se mal; sentia o coração embrulhar-se junto com o estômago, e um arrepio de arrependimento percorreu, num lapso, sua espinha: o nível de ótimo alegria havia sido ultrapassado, e agora não havia alegria. "a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena", lembrou-se do programa infantil que via quando criança onde haviam pronunciado essa frase. a frase não tinha sentido então, mas agora, encaixava-se perfeitamente. seria cômico, se não fosse tão doloroso. embora houvessem-lhe ensinado desde sempre uma agressividade muito eficiente e ela soubesse usá-la bem, sua educação ia contra sua natureza; essa agressividade aprendida era-lhe como uma espada de lâmina dupla e sem cabo, machucava-lhe tanto quanto aos outros. nunca soube ao certo se devia alegrar-se ou entristecer-se com isso; nunca soube ao certo se devia usar suas habilidades ou guardá-las como um velho samurai arrependido guarda sua preciosa katana; nunca conseguiu decidir-se a aplicar em sua plenitude a frase "eu sei da minha força, a mim me basta a consciência disso", que levava estampada na memória e de vez em quando repetia para si em solitário. é sempre um processo doloroso o da auto-descoberta, e ela, que julgava-se independente, gostaria de sentir prazer com o sofrimento dele, mas não sentiu. sentiu-se insignificantemente malfazeja como uma pulga, uma pulga a morder corações. ridícula como um palhaço que não sabe ser alvo de piadas. no escuro de sua mente, ainda via aqueles olhos fugitivos, olhar de presa acuada, de mamífero pequeno indefeso; houvera mirado em seus olhos, e deixara-o lá, nu, indefeso, como um guaxinim preso a uma armadilha. a chama maléfica que fizera-lhe arquitetar a armadilha apagara-se sob o sopro gelado do vazio; afinal, de que serviria aquela atitude: caíra no vazio, no lugar-comum, no lodo da selvageria, na agressividade sem fundamento, contra tudo o que lutava... e era tão pequena sua atitude, mas tão cheia de significado; quis chorar, mas não conseguiu, porque pequena; perdera a guerra contra si, outra vez.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Diálogos enriquecedores I

cantando em coro:
- "Eu não queria jogar confete
Mas tenho que dizer
Cê tá de lascar
Cê tá de doer
E se vai continuar enrustido
Com essa cara de marido
A moça é capaz de se aborrecer

Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz
E atrás dessa mulher mil homens, sempre tão gentis
Por isso para o seu bem
Ou tire ela da cabeça ou mereça a moça que você tem"

- Deveria se chamar "fim de namoro" essa música
- Deveria se chamar "pequeno aviso"!
- Pequeno aviso, hehehe...
- Por que eu não casei com esse homem?
- Hm... porque ele nasceu uns 40 anos antes de ti e tu

nasceu nas grotas de la e ele nas grotas de cá
- tenho a idade da filha mais nova dele
- hm... dava tempo né?
- dava tempo...
- se lascou.
- droga
- eu fico com o fernando pessoa!
- não! eu casei com o fernando pessoa
- eu fico com o fernando pessoa
- eu quero os dois!
- não! eu casei com ele!
- casou mas eu fiquei com a parte boa
- hehehe
- tu ficou com a cara de marido =)

chico buarque - deixe a moça

domingo, 20 de maio de 2007

construir castelos de areia para pisar depois; parece que a vida é construída de descontrução, paradoxos que se complementam, cair e descair. enquanto não há tempestades e dor, não há vida, certo?

certo?

bem, a vida é isso; ganhar para perder logo depois. nem tão logo, talvez, mas perder é certo. perdas e ganhos, hm, frase meio clichê, meio boba, mas assim é a vida, cheia de clichês e bobagens. seria até engraçado, se não fosse tão doloroso... o mundo gira às vezes rápido demais, nem dá tempo de perceber que passaram-se horas. fui dormir ontem meia-noite, hoje alguém me disse "quatro horas", olhei pela janela e vi que não eram quatro da manhã, era quatro da tarde; o tempo passou e não vi de novo. algum dia a gente aprende a construir castelos e a parar de tentar segurar a areia entre os dedos? a gente até aprende que se deve construir castelos, com a condição de que seja para pisar depois. se não há destruição iminente, eu devo destruir, e por que não? nada é mais forte do que eu nesse quesito, em destruir o que construí. enfim, alguma habilidade há...

estarei me tornando hermética? talvez eu seja musicista e minhas músicas sejam como hermeto pascoal, herméticas, quase incompreensíves. ou talvez seja só uma pretensão tola de alguém que ainda não aprendeu a andar la muito bem sobre as areias da vida...

bobabobabobabobagem... hm.

sensação de que sempre falta, entende? "às vezes eu sou alice, e esse país é uma maravilha", diz a muié, mas outras... é um longo processo de construção.

posso pisar agora?


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jean michel jarre - chronologie 6

sexta-feira, 13 de abril de 2007